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Antes, quando eu era um guri jaguarense, vir a Jaguarão era voltar para casa: de trem, de carro-motor, de avião ou de barco a vapor. Chegava-se (do Brasil ou do Uruguai) com o coração apertado pela magia do reencontro e o medo do desencontro, ao adivinhar os velhos telhados despontando entre campo e arvoredo; e logo logo, ao divisar o casario estendido igual dos dois lados do rio – a Ponte no meio –, com a esperança de que aqui e ali ainda estivessem bem resguardados todos os afetos recuperáveis a cada regresso.

 

Hoje, eu sou um velho e sempre saudoso jaguarense, voltando a minha querida cidade por via rodoviária, sem o encanto de antes: são trezentos e tantos quilômetros de Porto Alegre; ou outros mesmos trezentos e tantos desde Montevidéu. Enfim: chega-se a Jaguarão como sempre, no perder-de-vista da amplitude circular dos sempre distantes e inatingíveis horizontes do pampa; mas como vale a pena!

 

Jaguarão está aqui, a meio caminho de Montevidéu e de Porto Alegre, entre dois pequenos cerros e o rio – que lhe dá nome e que nos separa e nos une a Río Branco, do outro lado, no Uruguai. Divide (ou soma) com Río Branco a magia particular das luminosas e surpreendentes cidades da fronteira uruguaio-brasileira, de acentuada marca fronteiriça no traçado quadricular de suas ruas, na preservada unidade de sua arquitetura e na comunhão de costumes de seus habitantes. Distingue-se das outras por causa do sortilégio paradoxal de sua Ponte superlativa, que ao mesmo tempo liga e separa dois mundos iguais; e que desafia o visitante, ante sua espetacular monumentalidade de meia légua, a esgotar qualquer repertório de adjetivos.

 

Vir a Jaguarão e Rio Branco é vir ao exterior sem sair do interior, é vir ao estrangeiro sem ser forasteiro, é sentir-se cosmopolita dentro de casa. Melhor: é descobrir o resto do mundo no próprio espelho, ante a conformidade das margens opostas e a repartição dos arcos da Ponte.

 

Sobre o cimento da belíssima Ponte Internacional Mauá, bem no meio do rio, havia um risco vermelho, separando os dois países: botava-se um pé aqui, outro lá, além do risco – e estava-se ao mesmo tempo no  Brasil e no Uruguai. Hoje, o risco foi apagado; mas a cada ida e a cada volta, a cada troca de lado, a cada mágica travessia, opõem-se e complementam-se sobre a Ponte o perto e o distante, o nosso e o deles, assumindo-se ante cada um de nós, em nós mesmos, o outro.

 

Em Jaguarão, o sol nasce no Brasil; e morre, cotidianamente no Uruguai.

 

O alegre visitante terá chegado de manhã. Terá ido à Praça, ao largo da Matriz, quem sabe ao Hotel; e terá se encantado com a beleza dos casarões de altas portas e tantas e tantas sacadas – que constituem aqui o mais admirável e bem conservado conjunto de arquitetura eclética do Rio Grande do Sul.

 

O curioso visitante contará dez sacadas na fachada do Clube Harmonia; doze, na do Jaguarense. Mas precisará encontrar um guia, quem sabe no Instituto Histórico e Geográfico, quem sabe na Casa de Cultura, para poder visitar a cidade, chegar o Centro de Interpretação do Pampa, no cerro da Enfermaria; ao museu Carlos Barbosa; ao Teatro; ao Mercado; e à Igreja da Minervina (e saber coisas, que todos sabemos, os jaguarenses; e que contamos gostosamente, mas não escrevemos). Então, o feliz visitante conhecerá portas e portas de descomunal escultura; e admirará quantas fachadas se lhe apresentarem.

 

Depois, o visitante, já entusiasmado, irá a Río Branco. Atravessará a Ponte obrigatoriamente a pé, para melhor apreciar o rio e a Ponte, para melhor sentir o sortilégio dialético da Ponte e de rio em movimento,; e para logo – a passo, no mais – deparar-se com o outro lado e, logo logo, ver tudo como que pelo avesso, de lá para cá.

 

De regresso a Jaguarão, é obrigatório voltar pelo trecho da Ponte que liga as duas partes de Rio Branco  – para ter o privilégio de flagrar a cidade brasileira descobrindo-se na sua própria iluminação, do lado de cá do rio – e crescendo contra o céu escuro.

 

Depois, basta dormir e sonhar; na certeza de que ter vindo a Jaguarão (e Rio Branco) é não ter passado em vão pela vida.

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